sábado, 15 de março de 2008

Crepúsculo

Finalmente!!! Voltei a ter acesso a bendita da internet!!! Agora prometo manter ma regularidade maior, ok? E para voltar, mais um conto do Universo Visitante! Esse foi escrito porLeonardo T. que é um dos responsáveis por revistas digitais como ÓperaZine e DaemonZine, além de criar conceitos muito legais para jogos!
O Universo Visitante serve para mostrar que todos têm algo a dizer... e que todos podem ser ouvidos. Se desejar, basta mandar para mim. Espero que todos entendam que eu terei que analisar o material antes. Mas, fora isso, publico o que der numa boa! : )


Crepúsculo
Em um mundo onde tudo o que existe é feito para esfarelar-se em nadas, evanescente tal quais sentimentos aflitos e pueris de uma criança, uma simples história entre duas partes distintas, desabrocha como uma explosão entrópica.
E foi assim que em um dia trivial, daqueles, fartos em suas trivialidades, Crepúsculo despertou. Ele se levantou do leito gramado do qual se usufruiu, respirou fundo e ficou ciente do dia. Um passarinho cor de primavera veio lhe felicitar pelo novo dia, pousando em seu ombro direito. Crepúsculo apenas sorriu e pôs-se a caminhar pela cidade cinza, pedregosa, fedorenta e barulhenta, o gramado da praça pública sempre lhe acolheu nas noites, afinal, Crepúsculo não passava de um jovem mendigo que gostava de poesia e simplicidade, a caminhar despercebido pela cidade.
Crepúsculo nasceu em uma família rica, para ele, rica em futilidades, pois o que era o dinheiro e as coisas materiais comparados ao desabrochar de uma flor, o cair de uma folha de árvore anunciando o outono, o ósculo solar nas manhãs de verão? Para ele não passavam de simples poeira comparada a tais milagres, por isso quando completou seus estudos, abandonou seus familiares e sua vida material para se tornar um mendigo fazedor de poesia, pois mesmo com todos aqueles demônios habitando em sua cabeça, seu espírito era mais forte e verdadeiro.
Tudo o que o jovem mendigo possuía era um caderno velho e um toco de lápis, os quais estavam sempre à mão. Ele, naquele dia trivial, caminhou até a capela da cidade, sentou nos degraus desta e pôs-se a escrever. Escreveu até toda a sua força abandoná-lo, até o último sopro de vida lhe deixar. E assim ele adormeceu para todo o sempre naqueles degraus, os quais nunca lhe pertenceram.
Aurora ao sair da capela encontrou o corpo do mendigo estirado na escadaria, ela correu até este, pôs a mão sobre a face dele para sentir a respiração, nada, tentou sentir seu pulso, nada. Ao pegar o braço do mendigo para sentir o pulsar, ela notou um caderno que estava acolhido pelos braços dele, pegou-o, estava bem cuidado, ao abri-lo pode ver que na primeira página estava escrito Poemas e algumas idéias inerentes à vida escrita por Crepúsculo, o mendigo. Tomada por uma vontade megalomaníaca e repentina a jovem sentou-se ao lado do cadáver na escadaria e começou a ler.
Se alguém esta lendo este caderno agora, é sinal de que finalmente me iluminei! E como a luz não possui forma, assim me encontro neste exato momento. Pude me desapegar da última coisa material que me restava, esta o meu próprio corpo físico, e assim, iluminado, espero, que estas minhas palavras não se percam nas cinzas irreais da realidade e possam atingir a alma de alguém, pois sim, a alma é a única coisa realmente real! A única coisa inquebrável!
Tracejo com uma grafite até a sua estrutura se extinguir, poemas, idéias, vontades, sonhos, dores, impressões e ilusões minhas a respeito da vida a qual foi me dada e não pedida! Eis que por causa dela, quem mais tarde revelarei neste caderno, me tornei inquebrável! Enfim, desculpe-me a demora e a grafia, esta já de uma intimidade magistral minha, começo com um verso, meu primeiro verso!

Estes muros sangram! A seiva dela, Mãe Natureza!
Estes túmulos enganam aqueles que da vida pensam ter certeza,
Tornei-me culto para assim poder me aculturar
Do luxo pude me desapegar para neste ato de sangue poder sangrar!

Formei-me em duas universidades, Música e Filosofia, minha família sentia muito orgulho pelos meus diplomas, mas por minha pessoa nem tanto, afinal, desde que eu nasci sempre fui um músico e filósofo, e eles tão doutrinados a esta vida falsa, a esta rapsódia! Só assim me consideraram após lhes mostrar meus diplomas!
Foi assim que, em um belo dia, queimei meus diplomas com todas as coisas inúteis, que a minha família abastada me dera, no quintal de minha casa, salvando apenas a roupa do corpo, um lápis e um caderno. Assim os abandonei e respirei o desapego!

Onde não há inveja, não há violência!
Onde não há o apego material não há a inveja!
Moldei-me nos livros e na ciência
Mas a grande sabedoria colhi naquela árvore de cereja!

Desobedeci à civilização e lhes deixei numa canção
Bebi da água dos bosques e caminhei sem o tempo!
Voltei-me para a cidade e não mais escutei sequer canção
Na solidão inexistente pude achar o mais puro acalento!

Aurora conteve-se por um momento, estava muito confusa e intrigada. Aquele que estava morto ao seu lado fora uma grande pessoa, um sábio, um tolo, um poeta, um indigente, um jovem! Ela observou o semblante de Crepúsculo e chegou à conclusão de que ele não deveria ter mais do que vinte e poucos anos, ela abriu sua bolsa, pegou o seu celular e ligou para seu pai, explicou-lhe a situação e enquanto esperava pela ajuda retomou a leitura.

Minhas musicas eu nunca ousei mostrar para alguém, pois estas são de um íntimo inexplicável, as pessoas nunca estiveram perto o suficiente para sentir o gosto de minhas lágrimas, e nem eu as delas, como poderiam compreender ou absorver algo que eu sangrava sempre que precisava me deitar no colo etéreo do nada e chorar a dor que me afligia?!
As pessoas são muito violentas, muitas vezes até sem perceber, pois a vida na atual sociedade exige da violência, seja física, verbal ou mental. Uma sociedade não existe sem violência, um dogma religioso não é mantido sem a violência e assim por diante. Eu nunca pude compreender a violência. Muitas vezes em minha vida antiga me usufrui dela, mas isso me machucava de uma forma incompreensível, logo resolvi abandona-la e me tornar um servo da não-violência. Para isso foi preciso me desapegar da sociedade, do ter, pois quem tem sempre quer mais, cobiça o que o outro tem, e onde não há inveja não há violência, assim rabisquei meu primeiro passo para uma desobediência civil e meu desapego da sociedade.

O fogo da sabedoria queima mais que o solar.
O Sol cega os tolos que o procuram ao meio dia
Mas agracia os bem aventurados que o contemplam à aurora
As cores invadem a mente e a alma transformando tudo em ar
Enquanto que ao meio dia seus olhos perdem-se na cegueira tardia

Estou sentindo algo por certa pessoa, mas o que eu sinto é de uma grandeza imensurável, tanto que fui capaz de abandonar minha vida iluminada para voltar a esta cidade. A imensurável metafísica comparada com a dor atemporal que se reveste em plumas multilaterais me esnor...

Aurora teve sua leitura interrompida, pois a página estava rasgada como as demais, o que lhe restava algumas palavras e parágrafos sem nexo. Apenas a última folha estava inteira.

Ontem fui violentado e espancado por um grupo de jovens materialistas, um deles era meu irmão mais novo. Por eu estar sujo, esfarrapado e dormindo na rua, ele não deve ter me reconhecido ou teve vergonha de me reconhecer, eu o entendo. Eles me feriam fisicamente, mas eu não me importava e não ousava revidar, afinal eu sou um discípulo da não-violência! Pegaram meu caderno o qual levei tanto tempo para escrever a rasgaram suas páginas! Até então não tinha derramado lágrima alguma, mas ao ver minhas palavras sendo despedaçadas e caindo ao relento frente aos meus olhos, não agüentei e cai aos prantos. Tudo o que restou foram as três primeiras páginas e esta última onde simplesmente termino este caderno com uma frase.

Eceuqse edadinamuh a euq sariemirp sa oãs ue omoc saossep!

O pai de Aurora chegou com uma viatura da polícia, jogaram o corpo de Crepúsculo na carroceria, a jovem entregou o caderno para o policial, que o jogou junto ao corpo do falecido e em seguida partiu com a sirene desligada.
Aurora chegou a sua casa, tomou um banho, se aprontou e saiu com suas amigas para fazer compras no mais novo shopping da cidade. Tudo o que lera naquela manhã, não fizera o menor impacto em sua vida, sentia-se satisfeita, pois ajudara a manter a cidade limpa, assim, cumprindo com suas obrigações de boa cidadã.
É triste, eu sei caro leitor, acabar com o conto desta forma, mas a vida infelizmente ou felizmente, sei lá, é assim. Tudo se quebra, menos a alma de pessoas como Crepúsculo, que acreditava nos olhos, para ele, estes eram o espelho da alma, e se pararem para refletir um pouquinho, a imagem que temos no espelho é uma imagem invertida, a mesma, porém ao contrário. Pensem assim na última frase do caderno de Crepúsculo. Passar bem!

Um conto escrito por Leonardo Triandopolis Vieira.

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