terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A Era das Nuvens!

Não é novidade para ninguém que sou defensor aberto da capacidade do brasileiro de criar obras nas mais diversas formas de expressão artística que surpreenderiam o mundo. Também não é novidade de que eu defendo o fato indiscutível de que HQ’s e RPG’s são obras de arte, não importando a forma com que você queira conceituar a mesma.
Pois bem, em meio a minha "atolação" e falta de tempo, eu consegui dar uma lida mais detalhada em algumas edições de revistas digitais sobre RPG que estão saindo na internet (para este assunto em especial, pode dar uma lida na resenha que coloquei no site do Universo Germinante) e eis que leio um excelente artigo que conta a ambientação de um universo steampunk que vale a pena ser desenvolvido e jogado: "Gelo e Vapor".
O cenário, criado e escrito por Leonardo T., conta a história de um universo onde o Tirano de Gelo avança e conquista terras após terras, subjugando a todos em seu rasto. Não tenho tempo aqui para explicar a trama, mas vale a pena! A cosmologia e o desenvolvimento da mesma é excelente e intrigante, criando o espaço – sempre necessário num RPG – para que o mestre desenvolva sua imaginação à vontade.
A primeira parte do artigo se chama "Era das Nuvens" e fica na revista DaemonZine nº 0. Esta revista foi criada pelo pessoal da Ópera Cultural (já responsável pela ótima OperaZine) com o objetivo específico de mostrar matérias baseadas no Sistema Daemon.
Já disse antes que vale a olhada! A revista é totalmente gratuita e fica disponível no recém-reformulado site da Opera Cultural (que ficou bem bonito e prático, diga-se de passagem...).
Depois de toda essa "rasgação de seda" o que você está esperando? Aproveite e baixe a revista, antes que "Gelo e Vapor" seja publicado. Porque eu acredito que esse seria um risco muito sério...

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Conto Inédito: Plantão Noturno.

Antes, um aviso: meu acesso à internet vai ficar um pouco complicado por um tempo. Tentarei resolver isso o mais rápido possível, ok? Prometo que não vou sumir. E segue abaixo mais um conto inédito!
O Universo estranho é aquele onde ocorrem coisas sem explicação num mundo onde a normalidade aparentemente segue sem ser afetada pelo que vemos nele. É como se levantássemos a ponta de um véu que encobre coisas que nossa mente não consegue organizar.
Você está convidado a entrar... e não mais se esquecer.


PLANTÃO NOTURNO
A única certeza que tenho na vida é que sou um soldado.
Servindo ao exército, não posso reclamar. Muitos se queixam da vida de caserna, achando que esta não corresponde a tudo o que esperavam. Mas as pessoas são assim; estão sempre reclamando de algo. Alguns reclamam do soldo, outros do ritmo de trabalho e assim por diante. Nunca estão satisfeitos. Mas mesmo esta madrugada, tendo que tirar o serviço de plantão de alojamento, eu me sentia ótimo.
O que eu nem ninguém no quartel poderia imaginar é que uma coisa – que só pode ter vindo de um lugar que eu chamaria de Inferno – estava se aproximando para silenciosamente matar um por um dos despertos.
Quando o soldado Matoso me acordou para o meu turno, tudo o que eu queria era passar duas horas tediosas olhando para o alojamento vazio e vendo as estrelas. Eu gosto de ver as estrelas. Essa é uma das qualidades de se ser um soldado. Quando você está sozinho no plantão, descobre que as estrelas formam padrões maravilhosos de serem vistos.
Eu ainda estava meio sonolento e calçando meus coturnos quando percebo o soldado Campos me olhando em meio a escuridão. Suas órbitas pareciam ter um brilho todo especial na escuridão desta madrugada, indicando que o seu pânico era real.
- Cara, eu tive um pesadelo muito sinistro...
- Tudo bem! Vai dormir agora. É meu turno.– eu respondi. Que mais eu poderia dizer?
- Mas cara, foi uma das visões...
O soldado Campos tinha umas visões de vez em quando. Ninguém as levava muito a sério, mas certa vez ele me salvou a vida ao dizer que sonhara com uma arma caindo e disparando, me matando. Eu não levei a sério no dia, mas ele ficou atento... e não é que o danado me salvou de levar um tiro no meio de um treinamento daquela mesma tarde? Nem preciso dizer o que aconteceu, né? Depois disso, passei a dar mais valor aos seus sonhos proféticos...
- Certo... – sussurrei para não acordar ninguém e acalmar o Campos - ... o que houve?
Seus olhos se arregalaram ainda mais: - Algo... alguma coisa. Vinda de um lugar terrível. Por algum erro da natureza, ela está em nosso mundo. Essa coisa, ela vai matar todos os despertos. Onde ela se arrasta, o silêncio a acompanha... e a morte terrível e descarnada!
Bom, isso eu já achei demais. Uma coisa era prever um acidente num treinamento, mas daí a ver criaturas do inferno caminhando pelo quartel e matando os despertos (o que ele queria dizer com isso? Na hora não tive a menor idéia) era um pouco demais. Além do mais, ele tinha o velho problema. Tentando evitar tocar no problema dele, fiz com que visse o absurdo da situação. Isso o deixou confuso:
- Será que eu tive apenas um pesadelo? – me perguntou.
Concordei imediatamente e me retirei para assumir meu posto. Quando estava para sair do dormitório, Campos me chamou de novo. Eu me virei e sua pergunta me intrigou:
- Será que a natureza pode cometer erros?
Saí sem responder. Que mais poderia fazer? Eu tinha um plantão para tirar e sou um soldado.

* * *

Em outro ponto do quartel, um sentinela que havia acabado de render o turno anterior foi o primeiro a ver a criatura.
Foi a última coisa que viu.

* * *

O plantão ocorria sem maiores ocorrências, até a chegada do Ronda. Não pude evitar um certo aborrecimento ao ver quem era. O Sargento Figueira era um porre. Vivia pegando no pé de todo mundo e adorava dar “chamadas” nos soldados. Era comum que fizesse a ronda mais de uma vez, tentando usar qualquer coisa que considerasse fora das regras para “canetar” o pessoal de serviço.
Existia uma certa tensão entre nós. Eu gostava das coisas certas e ele gostava de inventar ocorrências para ferrar com os soldados. Por isso, os olhos dele brilhavam quando se aproximou de mim. Percebi que tinha alguma sendo preparada para mim na hora em que o vi. Fiz a apresentação de praxe e ele logo falou:
- Tô sabendo que existe uma armação de alguns “guerreiros” para fugir para uma festa. E até onde sei você é um dos responsáveis por isso. – diante de meu espanto, ele fez seu gesto favorito: me apontou o dedo bem próximo do rosto e começou a falar mais alto – Não vem com carinha de inocente não, porra! Se eu perceber alguma coisa, ou se alguém sumir, eu boto para foder todo mundo nessa merda! Estamos entendidos, guerreiro?
O treinamento funcionou na mesma hora e respondi: - Sim senhor!
Ele sacudiu a cabeça afirmativamente e entrou no alojamento. Depois que se retirou, apontou o dedo para mim novamente sem dizer nada e foi continuar a ronda.

* * *

Enquanto o Sargento Figueira dava seu chilique comigo, outra sentinela só percebeu o horror silencioso que surgia das sombras quando já era tarde demais...

* * *

- Cara, vai dormir...
Levei um susto quando ouvi a voz do soldado Campos vindo da porta do alojamento, atrás de mim. Isso me irritou e acabei respondendo rispidamente:
- Porra, Campos, vai dormir!
- Ele só devora aos que estão acordados, cara...
- Ótimo! Então dorme que ele não vai te perturbar... mas que saco! Isso é só a merda de um pesadelo recorrente, pô!
- Ele vai atacar antes do final de teu turno. Finja que está dormindo que você sobrevive. Se te ver acordado, virá atrás de você. A coisa só percebe os despertos e sabendo que tem um por aqui, não vai descansar...
- Mas que merda, Campos!
- É sério! Ela sumirá ao amanhecer, mas até lá matará os despertos. E talvez você seja o último...
Já estava de saco cheio. Além de perceber que o Sargento estava aprontando para mim, tinha que aturar as maluquices de um colega. Portanto, acabei sendo bem indelicado quando comentei:
- Campos, nós dois sabemos do seu problema: o quanto você fumou ou cheirou hoje?
Aquilo o deixou um pouco confuso e contrariado. Mas sua reação deixou claro para mim que havia sido o bastante. Para mim o caso estava encerrado, para ele também.

* * *

Pergunto-me agora; antes de chegar até mim, quantas vezes a criatura passou perto e eu não vi? Analisando o seu movimento, vejo que ela se alimentou das sentinelas antes, atacando o perímetro em torno do quartel, para depois vir fechando numa espiral em direção ao centro. Isso significa que ela deve ter passado próxima a mim no mínimo duas vezes, só que me ignorando até aquele momento. O motivo de agir assim me é um completo mistério. Mas como esperar lógica quando o demônio lida com você?

* * *

Já estava quase no final do turno quando o Sargento voltou. Suas passadas largas e o rosto fechado me informavam que a coisa estava feia para o meu lado. Agüentei firme enquanto ele se aproximava, pois soldados sempre estão prontos para o que der e vier.
E eu sou um soldado.
Quando preparava para me apresentar, ele passou por mim como um raio. Entrou direto no alojamento, decididamente a procura de alguma coisa. Eu o segui. Ele andou de um lado para o outro dentro do alojamento, chegando a acordar um ou outro soldado que lá dormia ao tirar algum travesseiro ou lençol que cobrisse o rosto. Depois de verificar tudo o que desejava, se virou para mim e disse:
- O que está fazendo fora do seu posto, soldado?
Fiquei sem resposta. Ele foi comigo para fora e começou a gritar:
- Escuta aqui, seu merdinha. Se tá achando que vai fuder com o meu serviço, tá muito enganado! Acha que não sei que você tá por trás do sumiço dos sentinelas...
- Sumiço dos sentinelas...?
- Cala a porra da boca, cacete!!! Eu sou teu superior e estou falando, soldado! E não me venha com “papinho de cerca Lourenço” seu babaca!
Pegou um caderninho do bolso e começou a anotar.
- Tu tá fudido na minha mão, moleque! Vou arranjar umas semanas divertidas para você...
Foi nesse momento que eu vi. Silencioso como o próprio vácuo, o demônio se arrastava até onde estávamos. Era uma enorme cabeça avermelhada com gigantescos chifres que saíam de suas têmporas, tendo buracos nos lugares onde deveriam existir olhos. Nestes mesmos “olhos” duas pequenas chamas brilhavam com uma intensidade maligna e sem outro propósito que o de destruir. Não havia pêlo de espécie alguma nesta face demoníaca, a não ser por pequenos tufos que saiam das bordas de suas orelhas enormes e pontudas. O nariz lembrava o de um réptil, sem proeminência e seu sorriso demoníaco mostrava caninos proeminentes e uma brancura sobrenatural.
O resto do corpo era como o esqueleto de uma cobra, sua longa espinha à mostra movendo-se apoiada nas vértebras. Aquilo se movia com uma rapidez inacreditável e apenas sorria em meio ao silêncio total que a envolvia.
Apontando apavorado, tentei gritar. Mas nada saiu. Eu sentia que gritava a plenos pulmões, mas o som simplesmente não se propagava. Era como se meu grito estivesse sendo ouvido em outra dimensão que não a nossa.
Por um momento, o sargento quis me dar uma bronca. Mas isso durou um segundo, pois quando percebeu que sua voz sumira junto com minha expressão apavorada e o apontar desesperado para trás dele, se virou. Devo admitir que ele agiu como um soldado, pois mesmo diante do horror em pessoa, ele sacou sua pistola e começou a atirar. Foi muito estranho ver o estampido, sem que som algum saísse. Mesmo com o sargento virado de costas para mim, pude perceber que sua boca também se escancarou em um grande berro quando viu que a criatura não diminuiu o ritmo e – com um repentino movimento circular – deu um bote.
Ela o agarrou com suas vértebras expostas com uma agilidade impressionante e o abocanhou. Enquanto era devorado e soltava seus urros de dor e desespero, o sargento olho para minha direção, implorando ajuda. Mas o que poderia fazer? A pistola do sargento se encontrava caída mais próxima do demônio do que de mim, como meu plantão era de alojamento eu mesmo não carregava arma e já havia sido demonstrado que não armas não serviriam para nada. Levanto a mão num ato de repulsa e terror e – nesse momento – percebo algo.
Dou uma última olhada para o sargento. Qual deve ser a sensação de se sentir devorado enquanto a ajuda que você espera foge para longe diante de seus olhos. Foi realmente um sinal de reconhecimento de seu destino que percebi em seus olhos no último momento?
Então, me retiro para dentro do alojamento. Tinha que ser rápido para que o demônio perdesse tempo se alimentando. Caminho de forma apressada para o seu interior, respiro fundo e acordo o soldado Campos. Este acorda de sobressalto e fala ao me ver:
- Você está vivo, cara?
- É claro!
- Então... então foi loucura minha mesmo?
- É isso aí parceiro. Agora coloca o coturno que chegou o seu turno...

* * *

O resto é história. Quando levantei o braço e vi que o meu turno havia acabado, nada mais natural que chamar o próximo vigia de alojamento, certo? Tudo o que fiz foi juntar 2 + 2 e chegar a 4. Eu tinha todas as informações de que precisava. O demônio sabia que alguém estava acordado e iria caçar sua presa. Por que então não satisfazê-lo? Já sabia que ele partiria ao amanhecer mesmo...
Seu ataque era silencioso, por isso não sei exatamente em que momento Campos partiu. Pareceu-me que alguém engoliu em seco e um leve princípio de grito se iniciou próximo da porta de entrada do alojamento. Mas não verifiquei. Para todos os efeitos estava dormindo...
O quartel está uma balbúrdia. Armas foram encontradas abandonadas nos postos e nenhum sinal das sentinelas, o mesmo ocorrendo com os vigias de alojamento. O sargento Figueira também desapareceu, sua arma foi encontrada em frente ao nosso alojamento. Mas acredita-se que seja lá o que for que aconteceu, também pegou o soldado Campos. Portanto, deduzem, os desaparecimentos ocorreram no horário do turno dele.
Já fui entrevistado e vou estar no inquérito. Não me preocupo com o resultado, pois o importante foi que evitei uma morte horrível. Estou pronto para qualquer coisa que o exército preparar para mim. Afinal de contas, sou um soldado.
O que eu não sou é idiota.